Lula descarta controle de gastos e aposta em medidas que podem elevar rombo

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As contas públicas do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seguem no vermelho, alimentando a inflação e, consequentemente, da taxa de juros. Porém, com a popularidade em baixa, Lula da Silva nem pensa em colocar o pé no freio das despesas e buscar o equilíbrio fiscal.

Ao contrário: na ânsia de reverter a desaprovação, o governo está contratando para o ano um combo de medidas populistas que podem ampliar o rombo orçamentário caso não tenham a devida compensação.

No pacote de Lula estão a isenção de Imposto de Renda para pessoas com rendimentos de até R$ 5 mil reais e a ampliação do programa Auxílio-Gás, além do incremento do Programa Pé-de-Meia, voltado a estudantes. As medidas precisam ser aprovadas pelo Congresso.

Outras medidas, estas sem impacto fiscal, também buscam injetar dinheiro na economia para impulsionar o PIB: a criação de um crédito consignado para o trabalhador da iniciativa privada, semelhante ao que já existe para o funcionalismo público, e a permissão temporária para saque do saldo do FGTS a trabalhadores que optaram pelo saque-aniversário e foram demitidos.

Em seu conjunto, as iniciativas – dentro ou fora do Orçamento federal – vão na contramão do esforço do Banco Central para desacelerar a economia e conter a inflação.

Durante uma cerimônia de entrega de terras da União para o Estado do Amapá, no dia 13, o mandatário deu a senha do tom a vigorar para o anúncio das próximas políticas públicas.

“Se ‘eles’ não gostam que o povo tenha dinheiro na mão, vão ficar com mais raiva de mim. Porque é o seguinte, nós vamos fazer agora o crédito consignado para os trabalhadores da iniciativa privada. Vai ser a maior política de crédito desse país”, discursou.

“Nós vamos fazer agora, entrar com um projeto de lei e eu tenho certeza que vai ser aprovado, que quem ganha até R$ 5 mil por mês, não pagará mais Imposto de Renda nesse país”, disse. “E estamos discutindo um projeto, já tá quase tudo pronto, pra gente entregar gás de graça para 22 milhões de famílias nesse país. Porque para nós o gás faz parte da cesta básica.”

Economistas veem cenário “desafiador”

Na visão de economistas, o cenário do governo Lula é “desafiador” e a percepção de risco econômico vai se manter ao longo dos próximos dois anos, sujeita aos ventos do calendário eleitoral.

“É difícil imaginar que um governo que está tão impopular consiga fazer ajustes fiscais relevantes na estrutura de gastos a essa altura do campeonato”, afirma o economista Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre).

“Não tem nem vontade política, não tem nem condição política disso acontecer. Vamos ter que trabalhar com o cenário macro que está aí e torcer para que não haja mais medidas de estímulo fiscal para promover um crescimento artificial”, acrescenta.

Para Samuel Pessôa, pesquisador do FGV Ibre e sócio-diretor do Julius Baer Family Office, o cenário atual é reflexo da escolha do presidente de inverter o ciclo normal da política econômica. Geralmente os governos adotam uma política mais restritiva nos primeiros anos, para depois ter espaço fiscal para iniciativas visando a reeleição. Lula, ao contrário, “iniciou o mandato com o pé no acelerador do gasto público”.

O resultado foi o aumento da dívida pública – que saiu de 71,7% do Produto Interno Bruto (PIB) ao fim do governo Bolsonaro para 76,1% do PIB em dezembro de 2024 – e um crescimento da economia acima dos limites da capacidade produtiva, o que tem pressionado a inflação.

“Houve forte elevação da demanda doméstica, 4,9%, muito acima do crescimento da economia”, escreveu Pessôa em artigo no Blog do Ibre. “Parte da pressão de demanda vazou para o exterior, as importações cresceram 13%, e parte virou pressão sobre os bens não transacionáveis internacionalmente. A inflação de serviços deve fechar o ano em 4,8% e o núcleo de serviços construído pelo Banco Central, serviços subjacentes, que segue mais de perto o ciclo econômico, fechará o ano a 6%. Em 2023 havia rodado a 4,8%.”

Essa combinação forçou o BC a começar, desde setembro do ano passado, um novo ciclo de alta dos juros. Na última reunião de janeiro, o Comitê de Política Monetária elevou a Selic para 13,25% ao ano, e a previsão mediana de bancos e consultorias é de que a taxa feche 2025 em 15%.

“Não são poucas, apesar das diferenças, as semelhanças de Lula 3 com Dilma 1”, diz Pessoa, em referência à situação fiscal e monetária do governo da petista, que gerou a maior crise das contas públicas da história recente, antes de sofrer impeachment, em 2016. “Desequilíbrios têm sido criados e a dúvida é se será possível chegarmos bem em 2026.”

Cenário é de incertezas domésticas e externas

Para Sérgio Vale, o cenário macroeconômico ainda “está em aberto” e é preciso acompanhar os números da atividade para ver se vai haver uma desaceleração do crescimento, conforme projeta o mercado. Com a redução da demanda interna, a inflação arrefeceria e possibilitaria ao BC interromper o ciclo de alta da Selic.

“A gente está no cenário de expectativa dos resultados de atividade este primeiro mês para saber se de fato vai ter essa desaceleração ou não”, diz o consultor. “Deve desacelerar, mas não está muito claro qual a magnitude disso. Para o ano, acho que o PIB deve ficar entre 1,5 e 2%. Não dá para crescer 3,5% [estimado para 2024] de novo.”

Nesse cenário, o “dilema” do governo, segundo o economista, é “adequar o tom para daqui para frente, conseguindo estabelecer uma economia que não assuste ainda mais o mercado”.

Acilio Marinello, da Essentia Consulting, destaca que segurar as contas públicas deveria ser uma prioridade para o governo. “Se o governo não definir ações práticas para redução das despesas, pode acabar tendo que aumentar impostos para equilibrar as contas”, diz. “Sem um sinal claro de que está preocupado com a responsabilidade fiscal, o Brasil pode enfrentar juros altos por mais tempo e menos espaço para crescer de forma sustentável.”

Além disso, ele cita o momento de incerteza externa: “A volta de [Donald] Trump ao jogo político nos EUA e o maior protecionismo deixa mercados emergentes ainda mais instáveis e influencia o câmbio, o que pode pressionar o real e influenciar no aumento dos preços por aqui”.

Sobre o cenário externo, Vale aponta mais um aspecto. “As medidas econômicas de Trump são muito inflacionárias e há risco de ter alta de juros por lá”, afirma. “A gente está falando de uma desaceleração econômica nos Estados Unidos, uma possível recessão. Isso tem impacto para todo o mundo, não é trivial.”

Para ele, há muitas variáveis na mesa da economia brasileira e isso aumenta o risco de ver erros de política econômica acontecer. “A chance de piorar é bem maior”, resume.

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